Clubes em Ação

Voltar

ACERVO

Voltar

NOTÍCIAS

Mylena em: Um sonho do tamanho do céu

dez 1, 2016

O quarto, espaço de estudo, foi o cenário do primeiro vídeo de Mylena pedindo doações para a viagem à Nasa, onde ela comprou uma roupa de astronauta como recordação

O quarto, espaço de estudo, foi o cenário do primeiro vídeo de Mylena pedindo doações para a viagem à Nasa, onde ela comprou uma roupa de astronauta como recordação

Ajuste as coordenadas para 21º45’15”S, 41º19’28”W. Esta história se passa em Campos dos Goytacazes, o município mais populoso do interior do Estado do Rio de Janeiro, atravessado pelo rio Paraíba do Sul e conhecido pelas usinas de cana-de-açúcar e por ser o maior produtor brasileiro de petróleo. Campos, além disso, tem peculiaridades quase incógnitas. Pouca gente sabe, mas é a cidade no mundo que mais descobriu asteroides e a mais visitada por astronautas no país. Foi nela que Mylena Silva de Azevedo Peixoto nasceu e cresceu. E onde a conhecemos para ouvir sobre sua visita oficial à sede da Nasa, nos EUA.

Mylena completa 17 anos este mês. Está no terceiro ano do ensino médio da Escola Técnica Estadual João Barcelos Martins, uma das unidades da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec) em Campos, onde cursa enfermagem. Tem paixão pelo estudo. Foi no pátio da escola que a jovem desenvolta, de fala suave e olhos discretamente delineados começou a nos contar como foi parar na maior agência espacial do mundo: “O convite surgiu após a seleção do professor Luiz Carlos Barroso, meu professor de física em 2015, que vinha observando meu comportamento desde o início daquele ano”.

Entrar para a Escola Técnica Estadual João Barcelos Martins, uma das unidades da Faetec em Campos, era um sonho de Mylena

Entrar para a Escola Técnica Estadual João Barcelos Martins, uma das unidades da Faetec em Campos, era um sonho de Mylena

O convite a que ela se refere foi uma indicação para integrar o Caça aos Asteroides, projeto internacional proposto pelo programa Astronomical Search Collaboration, dos EUA, e coordenado em Campos pelo professor de física Marcelo de Oliveira Souza, fundador do Clube de Astronomia Louis Cruls, há 20 anos. “A astronomia é a porta de entrada para a ciência. Em Campos a gente já conseguiu criar uma cultura de as pessoas não a verem como algo distante. Conseguimos fazendo um trabalho de formiga, levando telescópio para os locais onde as pessoas estão. Não temos uma sede grande, então procuramos fazer o que é conhecido mundialmente como astronomia de calçada”, explica o professor.

O professor de física Marcelo Souza é um dos principais responsáveis por inspirar na cidade o interesse pela astronomia

O professor de física Marcelo Souza é um dos principais responsáveis por inspirar na cidade o interesse pela astronomia

Mas e o Caça aos Asteroides? O programa funciona assim: grupos de estudantes em todo o mundo recebem pacotes contendo imagens animadas capturadas por um telescópio instalado no Havaí. Usando um software, eles as analisam em busca de objetos que se movem – os asteroides. Confirmada a descoberta, anos mais tarde eles nomeiam esses astros. Em 2015, o grupo de Mylena descobriu cinco. A campanha durou um mês, mas ela quis seguir adiante. “Provavelmente ela já tinha uma grande motivação para a astronomia, esse aqui foi só um despertar para a vocação”, acredita Marcelo. Foi ele que a incluiu no grupo da visita à Nasa.

Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, onde Mylena nasceu e cresceu, é a cidade no mundo que mais descobriu asteroides e a mais visitada por astronautas no país

Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, onde Mylena nasceu e cresceu, é a cidade no mundo que mais descobriu asteroides e a mais visitada por astronautas no país

Dizer que estava escrito nas estrelas seria insuficiente, pois não dá a dimensão do empenho de Mylena. Primeiro porque essa inclusão foi um reconhecimento à dedicação dela ao Clube de Astronomia. Além disso, foi um grande esforço conseguir o dinheiro para viajar. “Venho de uma família humilde e o nosso clube é filantrópico, não tem recursos próprios”, conta a jovem. Então ela começou criando um perfil e uma página no Facebook. Com ajuda de um amigo, gravou um vídeo no próprio quarto pedindo colaborações. Fez vaquinha online, rifa, abriu conta para receber doações, percorreu a cidade com um livro de ouro. Vieram apoios pontuais. “Havia momentos em que eu desanimava, aí meu pai me dava uma chacoalhada e dizia que eu conseguiria.” É grande a admiração de Mylena por ele: “Minha relação com meu pai é inexplicável, somos muito próximos. Não tenho vergonha de ir a shows com ele, até porque temos gosto musical muito parecido”. Recentemente os Titãs estiveram em Campos, eles foram assistir.

Cristiano Rangel Peixoto, o pai de Mylena, também se orgulha da filha. “Quando ela tinha seis anos, não cursou a alfabetização, avançou um ano na escola. Ela era pequena, eu pagava aulas de reforço, mas ela disse que não precisava, que acompanhava tudo.” Assim como ela, Cristiano foi excelente aluno, mas interrompeu os estudos quando começou a trabalhar. Hoje ele é porteiro concursado em um hospital da cidade e mantém uma oficina mecânica em casa. “Meu pai passou em primeiro lugar no curso de mecânica do Senai. Ele sempre lutou muito”, exalta a filha.

Cristiano Peixoto, pai da jovem, é uma forte referência para a filha

Cristiano Peixoto, pai da jovem, é uma forte referência para a filha

Entre os 10 e os 11 anos de idade, Mylena cursou parte do ensino fundamental na Escola Estadual Rotary II, uma das três fundadas por rotarianos na cidade. Este ano ela teve um feliz reencontro com o Rotary. É que os Rotary Clubs de Campos, Campos-São Salvador e Campos-Goitacazes assumiram o apoio à viagem. “Achamos muito interessante ver uma jovem pensando no futuro”, explica Walace de Melo Braga, presidente do Rotary Club de Campos, o primeiro dos três a abraçar a causa. “Foi o Rotary que definiu tudo”, conta o professor Marcelo. Também o governador do distrito 4750, Antonio Baptista Filho, fez uma doação pessoal. Para expressar sua gratidão, Mylena nomeará um asteroide em homenagem ao Rotary.

Na Escola Estadual Rotary II, uma das três que os rotarianos fundaram na cidade, e onde ela estudou, o reencontro com o governador 1996-97 do distrito 4750, Nylson Macedo, o presidente do Rotary Club de Campos, Walace Braga, a diretora Enilda Barreto Rangel, há 31 anos à frente da escola, e a professora de artes Rubinéia Rodrigues Faes

Na Escola Estadual Rotary II, uma das três que os rotarianos fundaram na cidade, e onde ela estudou, o reencontro com o governador 1996-97 do distrito 4750, Nylson Macedo, o presidente do Rotary Club de Campos, Walace Braga, a diretora Enilda Barreto Rangel,
há 31 anos à frente da escola, e a professora de artes Rubinéia Rodrigues Faes

Na noite de 21 de setembro, ela embarcou no Aeroporto Internacional Tom Jobim para sua primeira viagem a outro país. Foi também a primeira vez que viajou de avião e passou 10 dias longe do pai, da madrasta e do irmão. “Foi muito marcante quando o avião decolou e as luzes se apagaram. Eu não olhava só aquela imensidão ali embaixo, dentro de mim passava um filme completo de tudo o que eu fiz, de tudo que tanta gente lutou comigo.” A integrante mais jovem do grupo, Mylena visitou museus de ciências, esteve na sala de onde foi transmitida a missão Apollo 11 (aliás, Neil Armstrong, primeiro homem a pisar na Lua, era rotariano), foi convidada a um jantar na casa do gerente da Nasa, conheceu astronautas e o idealizador do Caça aos Asteroides, Patrick Miller, e participou de um curso no National Radio Astronomy Observatory (desejo de inúmeros astrônomos no mundo). Também tomou o típico café da manhã americano, comeu hambúrguer e bolo de biscoito Oreo.

Tantas experiências, desde o Caça aos Asteroides, alteraram para sempre o universo da estudante. “Eu era uma jovem tímida, corria muito atrás, mas não tinha acesso a muitas oportunidades. Passei a acreditar mais no meu próprio futuro, vi que tenho chance de realizar os meus sonhos. O maior deles agora é entrar no Instituto Tecnológico de Aeronáutica, cursar engenharia aeroespacial e ingressar na Nasa.” Aperte o cinto e segure firme, Mylena. Sua história está apenas começando.

* Reportagem: Renata Coré

** Produção: Nuno Virgílio Neto

*** Fotos: Fábio Seixo

NOTÍCIAS

Share This