Colunistas
Desastres não naturais
Em dezembro, participarei da COP28, a cúpula sobre mudanças climáticas da ONU, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Lá falarei sobre a convergência de duas crises globais: a climática e a de saúde mental. Como a Organização Mundial da Saúde observou, as mudanças climáticas – que afetam moradias e meios de subsistência – agravam os fatores de risco para problemas relativos à saúde mental. O sofrimento emocional causado por um desastre também faz com que seja difícil para as pessoas se recuperarem e reconstruírem a área afetada.
A ShelterBox, parceira do Rotary, é uma instituição internacional de assistência em casos de desastres que já prestou ajuda a mais de 2,5 milhões de pessoas deslocadas em aproximadamente 100 países, fornecendo abrigos emergenciais, utensílios domésticos essenciais e suporte técnico. Gostaria de compartilhar a coluna deste mês com o CEO da ShelterBox, Sanj Srikanthan, que explica a importância das palavras que escolhemos para descrever desastres.
* R. Gordon R. McInally, presidente 2023-24 do Rotary International
O termo desastre “natural” tem sido usado há muito tempo para descrever tempestades tropicais, enchentes, terremotos e erupções vulcânicas, mas é necessária uma mudança urgente na linguagem que usamos. Embora o termo possa parecer inofensivo e nem sempre tenhamos acertado, aprendemos com nosso trabalho em comunidades afetadas por desastres como isso perpetua um mito perigoso de que nada poderia ter sido feito para evitar que as pessoas fossem tão afetadas. Essa narrativa equivocada e prejudicial pode levar à falta de ação para ajudar as pessoas que precisam.
A linguagem que usamos é importante. Quando enquadramos os desastres como naturais, deixamos de reconhecer a complexa interação entre a natureza e o papel das ações humanas, e como elas afetam comunidades em todo o mundo.
Terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas, tempestades extremas, secas e inundações ocorrem devido a processos naturais na Terra. Mas é a forma como esses eventos afetam as pessoas ou o meio ambiente que tem o potencial de torná-los um desastre – resultados influenciados por fatores humanos, como o local onde as pessoas vivem, tipos de casas que possuem, instabilidade política e falta de medidas proativas para proteger comunidades vulneráveis. Um desastre é resultado de desigualdades sistêmicas no acesso a recursos e poder. O lugar em que vivemos e a quantidade de dinheiro que temos muitas vezes determinam nossa capacidade de recuperação. As pessoas mais afetadas são aquelas que vivem na pobreza, com menos meios para se proteger e poucos recursos para resistir ao próximo desastre.
Ao enquadrar esses eventos como naturais, solapamos a necessidade de medidas proativas para proteger as comunidades vulneráveis, mascarando a instabilidade social, econômica e política subjacente que faz com que as comunidades marginalizadas e desfavorecidas sejam desproporcionalmente afetadas. Nossas equipes veem em primeira mão a forma pela qual questões como desigualdade, pobreza, urbanização, desmatamento e crises climáticas podem tornar as comunidades mais vulneráveis.
Na ShelterBox, simplesmente dizemos “desastre” ou somos mais específicos, relatando condições climáticas extremas, terremoto, tsunami ou erupção vulcânica. Peço a todos que nos ajudem a quebrar esse ciclo, comprometendo-se com uma linguagem que reflita com precisão a razão pela qual as pessoas são tão afetadas.
Só então abriremos o caminho para abordar as causas subjacentes da vulnerabilidade e poderemos trabalhar em direção a um futuro mais justo e equitativo para todos, com os investimentos, medidas proativas e recursos necessários para ajudar a proteger as comunidades afetadas.
Os desastres não são naturais. Temos que parar de dizer que eles são.
* O autor é Sanj Srikanthan, CEO da ShelterBox.