NOTÍCIAS
Blog End Polio Now entrevista Lygia Pereira da Veiga
Em entrevista concedida ao blog End Polio Now, a cientista brasileira Lygia Pereira da Veiga fala sobre paralisia infantil, avanços tecnológicos e o papel da sociedade na construção de um mundo melhor. Confira
Dra. Lygia Pereira da Veiga nasceu na cidade do Rio de Janeiro, e, influenciada pelo avô, o editor José Olympio, ainda menina interessou-se pela literatura. É física de formação pela PUC-Rio, mestre em Biofísica pela UFRJ e PhD em genética molecular pelo Mount Sinai Medical Center de Nova York. É considerada uma das maiores especialistas mundiais em células tronco. Fez parte do grupo que desenvolveu a primeira linhagem 100% nacional de células embrionárias humanas. Foi sob sua coordenação, que pela primeira vez no Brasil, foi possível remover células tronco de um embrião e desenvolver a técnica de fazer com que elas se multiplicassem in vitro. Professora Titular de Genética Humana e chefe do Laboratório Nacional de Células Tronco Embrionárias da USP ela é referência nacional em pesquisas com células tronco. Mas o que ela faz de melhor é traduzir ciência para uma linguagem fácil, permitindo a todos entender as maravilhas deste admirável mundo novo.
EPN: Como foi o seu primeiro contato com a paralisia infantil?
Lygia: O primeiro contato que tive com a poliomielite foi através de uma amiga muito querida da minha mãe, psicóloga da USP, que tinha uma perna muito mais curta do que a outra, e por isso usava uma trapizonga de metal para conseguir andar – ainda que mancando. Ela convivia bem com aquilo, tinha um carro automático (o que na época era raríssimo), levava uma vida normal e nos explicava que teve “paralisia infantil”.
EPN: Qual o grande desafio para erradicação?
Lygia: O primeiro possível registro da paralisia infantil data de 1.500 antes de Cristo, na forma da figura de um sacerdote com uma perna encurtada, esculpida em pedra. No século XVIII, a doença é descrita formalmente como “debilidade das extremidades inferiores”, e no século seguinte percebe-se que é uma doença infecciosa. Já no século XX, é descoberto que paralisia infantil é causada por um vírus – o vírus da pólio; cientistas conseguem produzir o vírus em laboratório, o que leva ao desenvolvimento da primeira vacina contra a pólio em 1955 pelo Dr. Jonas Salk. Àquelas alturas, a pólio paralisava milhares de crianças por ano, sendo assim uma das doenças mais temidas nos países industrializados. Em 1961, Albert Sabin criou a vacina oral contra a pólio (a famosa gotinha), que facilitou a imunização de milhões de crianças no mundo todo – em sem hospedeiros disponíveis, o vírus da pólio começou a desaparecer. Em 1988, a pólio havia sido praticamente erradicada de países desenvolvidos. Já em países subdesenvolvidos, os problemas de saúde eram tantos que levou mais tempo para que a pólio fosse reconhecida como uma doença prevalente, e assim, mais de MIL casos novos de paralisia por DIA ainda surgiam no mundo. No mesmo ano, a Assembleia Mundial da Saúde (hoje, Organização Mundial da Saúde) junto a seus parceiros Rotary, Centro Norte americano de Controle e Prevenção de Doenças e Unicef criou a Iniciativa de Erradicação Global da Pólio (Global Polio Eradication Initiative), com o objetivo de erradicar a doença do nosso planeta até o ano 2000. O programa foi um grande sucesso. Desde então, num esforço conjunto de mais de 200 países e 200 milhões de voluntários, e um investimento de 8 bilhões de dólares, mais de 2,5 bilhões de crianças foram imunizadas e a pólio foi eliminada do mundo. Ou quase…
A pólio segue endêmica em três países: Nigéria, Afeganistão e Paquistão. O problema agora não é técnico/científico – o grande desafio para a erradicação da doença nesses países é político/religioso/ideológico. Guerras civis, miséria e fundamentalismo dificultam as campanhas de imunização. Na Nigéria, uma facção islâmica divulgou a notícia de que a vacina era parte de uma conspiração dos Estados Unidos e da ONU contra a fé Muçulmana, e na verdade continha o vírus da AIDS e/ou algum agente esterilizante das pessoas. E no Afeganistão, o Taliban tem sabotado todas as campanhas de imunização, temendo serem utilizadas como forma de espionagem. De fato, em sua busca por Osama Bin Laden, os EUA criaram uma campanha falsa de vacinação contra hepatite para coletar DNA de parentes do terrorista… Com isso, voluntários dos programas de imunização contra pólio foram assassinados nos três países – o último em dezembro de 2012 no Paquistão, onde a doença segue invicta. Essa história ilustra aquele meu ponto de que já está mais do que na hora de deslocar parte dos investimentos em tecnologia para as ciências humanas e aprendermos a conviver uns com os outros e com o nosso planeta.
EPN: E agora ressurge em áreas como Israel e Síria. Estamos todos em risco de ver o vírus circulante em nossos países?
Lygia: Com a maior mobilidade do ser humano pelo nosso planeta, sim, esses riscos aumentam. Por isto é fundamental termos populações imunizadas, para que o vírus levado por um viajante para outros locais não encontre hospedeiros vulneráveis.
EPN: Em suas apresentações você indica a importância de se investir também no âmbito humano, além do técnico, para garantir avanços científicos. Como vê a função e responsabilidades da sociedade (mesmo em países em que a pólio não apresenta risco iminente) no processo de erradicação da pólio?
Lygia: A sociedade precisa ser educada para ter plena consciência da importância deste processo. uma sociedade bem conscientizada poderá não só participar mais ativamente das campanhas, mas também escolher dirigentes e apoiar políticas públicas de forma a tornar esse processo de fato eficiente. Precisamos de uma sociedade que entenda e assim possa valorizar e apoiar o desenvolvimento científico.
EPN: Ainda falando de ciência e sociedade, quais os benefícios e aprendizagens provenientes de um processo de erradicação de uma doença como a pólio (que seria a segunda doença a ser erradicada do mundo, depois da varíola)?
Lygia: Os benefícios são óbvios, não só para aqueles que “escaparam” da doença por causa da imunização, mas também para a sociedade como um todo, já que existe um grande impacto econômico – o custo de cada paciente para a sociedade. Ou seja, todo mundo é beneficiado, direta ou indiretamente.
Quanto às aprendizagens, acho que a lição mais importante é vermos a capacidade construtiva do ser humano quando ele consegue se organizar. É vermos que temos sim capacidade de nos engajarmos em projetos globais e que diferentes culturas podem concordar e trabalhar em conjunto para a melhora de qualidade de vida. Temos outros desafios ainda maiores, como a proteção do nosso meio ambiente. Saber que conseguimos como humanidade trabalhar juntos para a erradicação dessas duas doenças é uma esperança para que possamos nos organizar para resolver outros desafios globais.
– Saiba mais sobre como suportar a erradicação da paralisia infantil no site End Polio Now.
– Leia mais sobre as ideias da Lygia, que escreve no site As Meninas Online.
* Fonte: End Polio Now
Tags: Rotary, Rotary International, pólio, erradicação, 2013, luta, End Polio Now, entrevista, Lygia Pereira da Veiga