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Uma vida a serviço de quem precisa

mai 2, 2017

Em São Luís do Maranhão, o jovem Antonio Brunno construiu um legado de amor para sua família e para pessoas que nunca chegou a conhecer

De que somos feitos, além de tempo? O que podemos fazer do tempo que nos é concedido? Quanto tempo leva para se
construir a obra de uma vida? Antonio Brunno Pessoa Sousa conseguiu, em nove meses, traçar as diretrizes de um legado de acolhimento que, nos últimos cinco anos, só faz aumentar. Quem vive na cidade de São Luís pode ter conhecido Antonio Brunno, ainda criança, dedicado a Conferências Vicentinas na capital maranhense. Filho de uma família católica, em meados da década de 1990, aos sete anos de idade, ele ingressou nesse movimento leigo ligado à igreja e que assiste os mais desfavorecidos. Seus conterrâneos também podem tê-lo presenciado, por volta de 2010, já na juventude, vestido de palhaço para levar alegria às crianças internadas no Hospital do Câncer Aldenora Bello.

Para nós, aqui na revista, a história de Antonio Brunno chegou por meio de um telefonema, apresentada por Pedro Ivo de Carvalho Viana. “É muito bonita, apesar de haver um lado triste”, ele nos contou uma tarde, já quase no final de março, coincidentemente na véspera de começarmos a planejar esta edição. Pedro Ivo foi governador do distrito 4490
em 2012-13 e faz parte do Rotary Club de São Luís-Praia Grande. Ele nunca chegou a conhecer pessoalmente o jovem, mas sabe de sua herança de solidariedade.

Desde bastante novo, Antonio Brunno manifestou preocupação em cuidar. “Ele sempre sonhou trabalhar para nos acolher na velhice, a mim e minha esposa, Fátima, mãe dele. E ver os irmãos formados, tanto que a faculdade do Antonio Denis e da Adriana era ele que pagava”, conta Antonio Lima Sousa, o pai. Tendo esses objetivos em mente, Antonio Brunno começou logo a trabalhar e, aos 18 anos, era dono de uma fábrica de ração.

“Ele era uma pessoa já realizada socialmente e, religiosamente, era realizadíssimo também. Ele era muito feliz, muito maduro”, recorda o pai. A possibilidade de ajudar quem precisasse dele era uma das razões da felicidade de Antonio Brunno. Foi assim desde os sete anos de idade e pelos 15 anos seguintes. Só que os caminhos da vida seguem além da
nossa compreensão e o jovem, que havia dois anos e meio visitava o hospital nos fins de semana para levar alegria às crianças, foi diagnosticado com câncer no mediastino. Antonio e Fátima buscaram tratamento para o filho no Hospital Geral Tarquínio Lopes Filho, o Hospital de Câncer do Maranhão, onde Antonio Brunno foi surpreendido por uma realidade até então desconhecida para ele: a das dificuldades enfrentadas por famílias carentes que saíam do interior do Estado para buscar tratamento e não tinham onde ficar. “Ele queria alugar uma casa para elas e, como não fizemos, por conta de ele estar doente, passou a levar as pessoas lá pra casa”, revela Antonio.

Com esse primeiro gesto, o jovem começou a dar vida à Fundação Antonio Brunno – uma casa que acolhe de forma gratuita pacientes oncológicos carentes, oriundos do interior do Maranhão, e também seus acompanhantes –, ainda que ela só viesse a existir de fato mais de um ano e meio depois, após sua morte. “Enquanto ele abrigava as pessoas na nossa casa, começou a desenhar o projeto, fazer as regras, as normas”, explica o pai.

Durante os nove meses em que enfrentou o câncer, uma das maiores preocupações de Antonio Brunno foi detalhar como a casa de apoio funcionaria. Com o passar do tempo, a doença foi se agravando, e a família viajou para São Paulo em busca de outros tratamentos. Mesmo debilitado, o jovem fez questão de visitar casas de apoio no município de Barretos para ampliar seu próprio projeto, que seria colocado em prática assim que ele voltasse restabelecido a São Luís. Outra grande preocupação de Antonio Brunno nessa época era nunca desperdiçar uma chance de ajudar. “Não devemos perder tempo, pois se não viabilizarmos a ajuda hoje, amanhã pode ser tarde demais. Aí perco a oportunidade de fazer aquilo que eu tinha que fazer”, ele costumava dizer.

Um dia chegou o momento em que suspender as visitas lúdicas às crianças pacientes de câncer se tornou inevitável, mas isso não fez com que Antonio Brunno desistisse desse trabalho. Ele teve a ideia de convidar dez amigos para participarem e, dessa forma, criou o projeto Donnos da Alegria. “Ele não atuou nesse grupo, porque estava doente quando o criou. Aí minha filha, vendo o desejo dele de formar o grupo lúdico, organizado, difundiu esse trabalho. Hoje estamos na nona turma e já formamos 790 jovens. Todo ano abrimos inscrição para os jovens que querem participar. Somos pioneiros nesse segmento aqui em São Luís”, diz o pai. Os jovens selecionados são preparados por seis meses e passam por uma prova. “Ele sempre falou para trabalhar com alegria e amor”, recorda a caçula Adriana Sousa. Antonio Brunno era o irmão do meio.

A família trabalha unida no legado social de Antonio Brunno. O pai preside a fundação, a mãe coordena a casa e os filhos são responsáveis pela comunicação. Adriana é também coordenadora do Donnos da Alegria e esse projeto, por sua vez, coordena outro, o Filhos de Antonio Brunno, iniciado em 2013 para doar cestas básicas mensais. “Todo mês Antonio Brunno comprava algumas cestas e dava para as pessoas. Depois que ele faleceu, eu quis manter essa chama da caridade na fundação e cadastrei 12 famílias. Hoje nós temos 120 famílias e esse projeto tem um custo médio de 14 mil reais por mês, só que é tudo doado”, conta o pai.

A casa de apoio em si foi fundada por Antonio e Fátima um ano após a morte do filho. “Era para ele tomar conta, só que Deus quis que não fosse assim, e nós, de posse desse projeto, colocamos em prática”, explica o pai. Até o momento, a casa, que tem o custo mensal médio de 80 mil reais, é mantida totalmente por meio de doações – sendo 3.000 reais oferecidos pela Fundação Humanitária Portuguesa – e pela verba levantada com a realização de eventos. Atualmente, a capacidade de acolhimento é de 70 a 80 pessoas por dia. Desde o início das atividades, o número de beneficiados soma 980. Além dos projetos mencionados, são oferecidas aulas de informática, inglês e alfabetização. “Oitenta e cinco por cento dos nossos pacientes são analfabetos”, revela Antonio.

Para manter todas essas iniciativas funcionando, a fundação conta com forte apoio da comunidade e grande ajuda do voluntariado. Há cerca de quatro anos, rotarianos voluntários na casa aproximaram a Fundação Antonio Brunno do Rotary Club de São Luís-São Francisco. “Então intensificamos o trabalho”, diz Saul Edilberto Pacheco Carvalho, presidente do clube. Mais constantemente, esse trabalho significa ajudar com doações de mantimentos e material de apoio, como colchões e fraldas, por exemplo. “Eles estão sempre precisando”, informa o presidente. Mas o clube também se mostrou parceiro em duas ocasiões especiais: por meio de um associado que possui uma agência de publicidade, criou a arte para uma campanha permanente de divulgação e arrecadação lançada em 23 de fevereiro, dia do aniversário do Rotary. “Era um grande sonho da Fundação Antonio Brunno ter esse layout. Também colocamos 10 outdoors na cidade por um prazo de duas semanas”, conta Saul.

Outra ocasião importante foi quando um associado que é advogado prestou assessoria jurídica na regularização de um terreno que a fundação recebeu da prefeitura e onde está iniciando a construção de sua sede própria. Atualmente, a casa de apoio funciona em um imóvel alugado a 1.800 reais por mês. Na nova casa, a capacidade de acolhimento subirá para 220 pessoas por dia e ainda estão previstos consultórios, ambulatório, biblioteca, brinquedoteca e uma ala infantil. Em reconhecimento ao importante papel desempenhado pela fundação no Estado, o Rotary Club de São Luís Praia Grande ofereceu a Antonio, o pai, a medalha Acyr Marques, sua maior comenda. Sempre que possível, o clube colabora com a instituição, e a Casa da Amizade de São Luís costuma fornecer próteses mamárias para as pacientes. “É muito bonito o trabalho deles e envolve todo mundo”, enaltece o governador Pedro Ivo.

A dedicação a esses projetos foi o que deu um novo sentido à vida de Antonio e Fátima após a partida do filho. “Pensando pelo lado místico da coisa, é como se ele tivesse criado o projeto para que a gente não morresse, para que os pais pudessem viver um bocadinho mais”, interpreta Antonio. Ele recorda com carinho toda a trajetória do filho, e não faz ressalvas nem mesmo aos nove meses de luta contra o câncer. “Foi uma fase em que ele falou muitas coisas bonitas, realizou muitas coisas”, avalia o pai. Algumas das frases deixadas por Antonio Brunno acompanham as ilustrações desta reportagem e todas estão reunidas em um livro que Antonio sonha publicar para tornar mais conhecida a vida do filho. “Antonio Brunno não morreu. Todo dia ele é falado pelos pacientes, é elogiado, é amado. A minha recompensa é essa. Ele continua comigo em um estágio mais avançado”, diz o pai.

Uma das frases que Antonio Brunno gostava de dizer era: “Amo estar onde alguém precisa de mim”. Ele era feito de afeto, alegria, solidariedade, fé, sensibilidade. Na manhã de 28 de março de 2011, serenamente, uma parte dele se despediu, aos 22 anos de idade. Outra permanece em São Luís, na casa que ele sonhou e onde tantas vidas de pessoas que nunca chegou a conhecer encontram acolhida junto a sua família.

* Reportagem: Renata Coré

** Ilustrações: Eduardo Nunes

*** Arte: Armando Santos

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