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Rotary Clubs de todo o país unem forças para socorrer os refugiados venezuelanos em Roraima

fev 26, 2019

Eles precisam de ajuda: rotariana entrega kit com doações a uma das famílias abrigadas em Boa Vista

Solidariedade. Servir. Comprometimento. Palavras-chave em qualquer sociedade, assumem importância ainda maior quando nos deparamos com crise humanitária. Este é o quadro vivido no Norte do país, mais precisamente em Roraima, a partir de 2015, com a chegada de refugiados da Venezuela, país afetado por sérias dificuldades econômicas. Milhares de venezuelanos atravessavam a fronteira em busca de melhores condições de vida. Em fevereiro de 2018, o número saltou para mil pessoas por dia. Em cálculo rápido, se o fluxo migratório mantivesse a tendência, até o final do ano passado a capital, Boa Vista, teria dobrado sua população, estimada em 320 mil habitantes. Na praça Simón Bolívar, situada próximo à rodoviária, cerca de mil pessoas amontoavam-se sem qualquer estrutura para banho ou necessidades fisiológicas. Dormiam ao relento. O lugar virou banheiro a céu aberto. Era preciso organizar o caos existente.

Desde o início, o Rotary Club de Boa Vista-Caçari (distrito 4720), único clube do Estado, envolveu-se na solução do problema. Sua página no Facebook anunciou a crise e informava os dados bancários onde Rotary Clubs de outras regiões do Brasil poderiam fazer depósitos, além de estabelecer contato para doações de produtos.

Até então, a solidariedade dos roraimenses garantia pelo menos comida aos novos moradores da cidade. Milhares de refeições feitas por particulares e algumas entidades eram distribuídas diariamente, mas sem uma organização central. Em reunião realizada na sede da Maçonaria, com entidades públicas e privadas, o clube sugeriu a criação de núcleo coordenador, a fim de racionalizar os recursos disponíveis, escassos ante a demanda.

Pouco depois, o governo federal criou a Força-Tarefa Logística Humanitária, vinculada à Casa Civil da Presidência da República. Começou, então, o planejamento e controle das ações de ajuda aos venezuelanos na Operação Acolhida (www.eb.mil.br/operacao-acolhida). Foram disponibilizados 180 milhões de reais destinados às despesas. O Rotary faz parte da parceria desde os primeiros momentos.

Se, no início, havia o caos, a força tarefa levou a Roraima a organização. As demandas continuavam imensas, mas agora a entrada na fronteira estava controlada. Antes de a panela de pressão social explodir, começou o processo de interiorização, com a transferência de famílias para outros Estados brasileiros. Mesmo assim, o fluxo migratório continua intenso. Em janeiro de 2019, os números apontavam, em média, a entrada de 643 venezuelanos diariamente. As ruas continuam repletas de pessoas em busca de trabalho. Os sinais de trânsito são os lugares preferidos. Os pedidos de dinheiro, inclusive por crianças pequenas, acontecem a todo instante. Sem interiorizar, o problema continuará a desafiar as autoridades e a sociedade.

O coronel Souza Holanda, responsável pela coordenação do processo de interiorização na força-tarefa, destacou a importância do apoio das organizações civis em receber as famílias venezuelanas. A experiência tem se mostrado bem sucedida até agora. “Conseguimos resultados excelentes”, comemora o militar.

A hora do Rotary chegou faz tempo. O diretor Paulo Zanardi definiu o apoio dos clubes e distritos brasileiros à interiorização como prioridade. No Instituto Rotary do Brasil realizado em agosto passado na cidade de Fortaleza,
o dirigente reforçou junto às lideranças o apelo por envolvimento nesse trabalho humanitário, fundamental no momento. Só depende de o rotariano entender o processo e, como sempre, fazer acontecer.

Sob o sol: grupo de associados ao Rotary Club de Boa Vista-Caçari levou comida e bebida para venezuelanos que percorreram a pé mais de 200 quilômetros

Pé na estrada
Se alcançar a fronteira poderia ser complicado para quem morava em regiões afastadas, imagine chegar a Boa Vista. Sem dinheiro, os venezuelanos enfrentavam o desafio de andar os 213 quilômetros entre Pacaraima – cidade mais setentrional do Brasil – e a capital, percurso difícil até para atletas. Os rotarianos pegaram a estrada com mil sanduíches, água mineral e refrigerantes destinados aos andarilhos. Sob sol escaldante, encontraram pessoas, inclusive com malas, sem qualquer apoio. Muitos pretendiam fazer de Roraima ponto de passagem em direção ao Sul do Brasil. Outros queriam ficar, pois alimentavam o sonho de retornar à Venezuela quando pudessem.

Na fronteira, milhares de refugiados concentravam-se nas ruas e na rodoviária. O ginásio de esportes, transformado em abrigo e em precárias condições de higiene, recebia 464 indígenas da etnia warao. O alimento chegou em boa hora.

A igreja vira abrigo
Desde o início do fluxo migratório, e por sua proximidade com a rodoviária de Boa Vista, a Paróquia de Nossa Senhora da Consolata, localizada no bairro São Vicente, tornou-se ponto de reunião dos venezuelanos. O padre Revislande dos Santos Araújo (ver perfil na página 36) recebeu o grupo sem restrições, embora faltasse estrutura adequada para tal. No começo de 2018, já havia 840 pessoas abrigadas em barracas na área externa da paróquia.

Parceiro de longa data do Rotary Club de Boa Vista-Caçari, o Ministério Público do Trabalho em Roraima aprovou o projeto Mexendo a Panela, apresentado pelo clube com as necessidades do abrigo de padre Revislande. Foram destinados 73 mil reais para a compra de alimentos, material de higiene e limpeza. Feita a licitação, toneladas de produtos passaram a abastecer o local. Os rotarianos pesquisaram preços, retiraram o material nos casos em que os fornecedores não faziam a entrega, conferiram as compras e as fizeram chegar ao destino a tempo e a hora. Em setembro, com a criação de mais abrigos pela força-tarefa governamental, padre Revislande decidiu manter apenas o serviço de refeições aos refugiados. No fim do ano, a cozinha da paróquia passou a abastecer abrigos, sem receber
os imigrantes para refeições.

Chegando ao destino: rotarianos de Roraima atravessam abrigo com doações enviadas por outros Estados

Ações em diversas cidades

Rotarianos de diversos pontos do país procuravam o Rotary Club de Boa Vista-Caçari em busca de parceria no atendimento às necessidades. Da mesma forma, os governadores 2017-18 e 2018-19 do distrito 4720, respectivamente Rafael Boulhosa e Mâncio Mártires, ajudavam na interlocução com os demais distritos brasileiros. Mâncio promoveu reunião em São Paulo com o objetivo de ampliar o apoio. Com ideia da rotariana Patrícia Andrade, associada ao E Club de New York (distrito 7210), viabilizou-se projeto da Fundação Rotária de ajuda aos venezuelanos. As ações dos clubes foram bem-sucedidas, mas o projeto internacional ficou prejudicado por falta de estrutura do clube local em dar o suporte pessoal exigido pela Fundação Rotária.

A primeira doação financeira, no valor de 7.000 reais, foi do Rotary Club de Chapecó-São Cristóvão, SC (distrito 4740), feita em parceria com a ONG Disaster Aid International. A força-tarefa solicitara 500 sacolas de viagem para a interiorização de famílias venezuelanas. Parte dos recursos atendeu à demanda. O restante foi aplicado em estantes de aço para armazenar remédios, inclusive controlados, nos abrigos.

No mesmo período, o Rotary Club de São Manuel-Paraíso, SP (distrito 4310), fez campanha de arrecadação de recursos na comunidade onde atua. O dinheiro foi utilizado na aquisição de mantimentos, inclusive leite especial para crianças, material de higiene e limpeza, e alguns medicamentos – tudo entregue na Paróquia de Nossa Senhora da Consolata.

Caixas com doações sendo embarcadas no Rio Grande do Sul

Em campanha realizada junto a empresários do setor farmacêutico, o Rotary Club de Presidente Prudente-Norte, SP (distrito 4480), enviou perto de 5.000 unidades de remédios diversos. A equipe de saúde da força-tarefa recebeu o material para uso nos abrigos. Ainda no distrito 4480, o Rotary Club de Auriflama, SP, destinou recursos financeiros à mobilização. Eles foram aplicados na aquisição de aparelhos de ar-condicionado para as salas de aula da Paróquia Nossa Senhora da Consolata, onde os venezuelanos recebem treinamento, reciclagem e aulas de português. O objetivo é dar condições de trabalho aos refugiados.

Medicamentos arrecadados em Presidente Prudente sendo entregues em Boa Vista

A imprensa adere
Em parceria com o Rotaract Club de Porto Alegre-Glória Teresópolis, a Fundação dos Rotarianos de Porto Alegre, a revista PRESS, o Clube de Opinião (que reúne jornalistas na capital gaúcha) e duas redes de farmácia, o Rotary Club de Porto Alegre-Glória Teresópolis, RS (distrito 4680), promoveu o projeto #genteajudandogente. Coordenada pelo rotariano Claúdio Bins e inserida nos meios de comunicação do Rio Grande do Sul, a campanha pedia doações de produtos de higiene.

O resultado final do projeto agradou: foram arrecadados mais de 19 mil itens. Calcula-se a doação, durante todo o mês de agosto, de algo em torno de 2,8 milhões de reais em espaços publicitários em emissoras de rádio e TV, jornais, revistas e redes sociais. Rara exposição de grande porte a custo zero na área da imagem pública. Todo o trabalho de produção das peças publicitárias foi doado por parceiros do projeto. O relatório do projeto está disponível no site www.rotary4680.com.br.

A Força Aérea Brasileira transportou os kits feitos com as doações até Roraima, onde os rotarianos locais fizeram a distribuição do material a venezuelanos alocados no abrigo Rondon 1, administrado pela força-tarefa.

Tsurus pela paz

A ideia veio do Japão e partiu de venezuelanos residentes naquele país. Baseada no projeto social 1000 Tsurus por 1 Desejo (1000tsuruspor1desejo.com.br e facebook.com/tsurusforpeace), a campanha 32 mil Tsurus pela Paz para a Venezuela envolveu pessoas de todas as faixas etárias em diversos Estados brasileiros.

Depois de aprenderam a fazer origamis, secular arte japonesa da dobradura, centenas de estudantes confeccionaram tsurus – ave sagrada do Japão, símbolo de saúde, boa sorte, felicidade, longevidade e fortuna. Os tsurus endereçados aos venezuelanos continham mensagens de incentivo em espanhol. Paz, alegria, esperança, fé e amor foram as palavras mais escritas nos origamis.

O Rotary Club e o Rotaract Club de Curitibanos, SC (distrito 4740), encarregaram-se de enviar os tsurus a Roraima. Devido à situação na Venezuela, ficou impossível levá-los ao país vizinho. A entrega às crianças venezuelanas no Brasil está sendo feita pelo Rotary Club de Boa Vista-Caçari.

Em Santa Catarina, a confecção dos tsurus da paz contou com o trabalho de Wataru Ogawa, sobrevivente da bomba atômica jogada em Nagasaki durante a Segunda Guerra Mundial.

Panela no fogo: padre Revislande prepara refeição para os refugiados

Milagre da multiplicação

Logo no início da crise, em 2015, o padre Revislande dos Santos Araújo, único roraimense ordenado sacerdote, abriu as portas da Paróquia de Nossa Senhora da Consolata aos venezuelanos. Filho de índia guianense da etnia wapixana, refugiada no Brasil na década de 1940 por perseguição em seu país de origem, ele ouvia dos recém-chegados: “Sou católico batizado, sou seu irmão, preciso de apoio”. Mesmo sem estrutura adequada, o padre aceitou o desafio. Seu lema era “Quem chega, come”. Cozinheiro? Ele mesmo.

Controlar a entrada e saída dos moradores, evitar desavenças, manter a disciplina e perceber as diferenças (a alimentação das crianças, as necessidades na higiene pessoal das mulheres): tudo isso tornou-se aprendizado no cotidiano do abrigo improvisado. “Aprendemos com o tempo”, lembra Revislande.

O trabalho, ecumênico, tem parceria com a Igreja Bethesda, a Federação Espírita de Roraima e a Igreja Adventista do Sétimo Dia. “Somos todos cristãos. A dignidade humana está acima de tudo”, conclui o sacerdote.

O juiz Oswaldo Ponce atuando como conciliador em Boa Vista

A longa jornada

Oswaldo José Ponce Perez, 52 anos, tornou-se ícone do drama vivido pelos venezuelanos. Juiz federal concursado em seu país, dono de sólido patrimônio, viu-se, em poucos anos, sem os bens e sem lar. Ao chegar a Boa Vista, em 2015, impedido de exercer sua profissão, sobreviveu os primeiros meses como mecânico, vendedor de bugigangas e até lavador de para-brisas nos sinais de trânsito da cidade. A música mudou sua vida.

Com formação em violão clássico, virou artista de rua. Fez da harpa sua fonte de renda. Prendia o instrumento às costas e ia, de bicicleta, tocar em busca de trocados. Aprendeu músicas brasileiras como forma de agradar ao público local. Certo dia, contou sua história em evento aberto. A revelação tomou conta das redes sociais. A partir dali, Ponce passou a ser reconhecido, inclusive, por magistrados brasileiros. Hoje, com o diploma em direito revalidado, estuda para fazer a prova da Ordem dos Advogados do Brasil. O alvo é o concurso para a magistratura. Enquanto isso, trabalha como conciliador nos Juizados Especiais e tradutor no foro criminal. “Jamais passei fome nesta terra”, lembra ele. “O povo brasileiro é solidário. Quero me naturalizar. Agora tenho duas pátrias.”

A família Basanta entra no avião que os levará a São Paulo

Com a mala repleta de sonhos

Caio Rafael Basanta Solano, 40 anos, a esposa, Yeinisy Rodrigues Morillo, e o filho, Ciro Isaac, 3, saíram de Ciudad Bolívar, região central da Venezuela, no segundo semestre de 2018. Engenheiro industrial com mestrado em ensino de matemática e doutorado incompleto, ele deixou para trás a universidade onde lecionava matemática e estatística. Ela trabalhava como laboratorista e cursava o quinto semestre de análises clínicas. Vieram em busca de melhores condições de vida, como milhares de compatriotas fazem diariamente.

No dia 8 de janeiro, a Rotary Brasil acompanhou a fase de transferência da família para a cidade de São Paulo. Sem a revalidação dos diplomas, Ciro sabe das dificuldades a enfrentar no novo endereço. “Perdemos as oportunidades e a qualidade de vida antes existentes no meu país. Agora, procuraremos novas oportunidades”, ele diz. “Quero legalizar minha formação profissional no Brasil e voltar a dar aulas no ensino superior.

Na capital paulista, eles encontraram a sobrinha de Ciro, Ana Maria, antes administradora de empresas e agora manicure. O marido dela, Frankleivert Campos, conseguiu emprego em grande loja de departamentos. Laços familiares são importantes no processo de interiorização.

Quanto ao filho, Ciro já entrou no clima local: “Com certeza, será jogador de futebol”.

  • Reportagem: Fernando Quintella (jornalista, governador 1994-95 do distrito 4720 e associado ao Rotary Club de Boa Vista-Caçari, RR)
  • Fotos: Orib Ziedson

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