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Rio de lama, mar de solidariedade

jan 22, 2016

Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, três dias depois do rompimento da barragem do Fundão

Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, três dias depois do rompimento da barragem do Fundão (Foto: Daniel Marenco/Agência O Globo)

Distritos se unem para socorrer populações atingidas por um dos maiores desastres ambientais do país

Tudo na vida tem um lado negativo e um outro positivo, é o dito popular. Mas mesmo em uma tragédia podemos encontrar, para o nosso alento, algum aspecto positivo? Será, ainda, que o maior desastre ambiental de Minas Gerais, e o maior do Brasil na área de mineração, poderia nos proporcionar uma resposta?

Às 16h20 do dia 5 de novembro, a Barragem do Fundão, a 35 quilômetros do centro de Mariana, MG, se rompeu, lançando 40 milhões de metros cúbicos de lama de rejeitos de minério no rio Doce. Em 40 minutos, esse tsunami chegou ao distrito de Bento Rodrigues, destruiu 207 das suas 252 edificações, e prosseguiu a marcha sinistra por duas semanas até o município de Linhares, no litoral do Espírito Santo. O saldo deixado foi de 19 mortos, três desaparecidos e 1.265 desabrigados.

Para obtermos algumas respostas ao questionamento acima, poderíamos considerar as palavras de Cristóvão Maurício Ferreira, governador do distrito 4580, que abarca o sudeste de Minas Gerais, onde se encontram Mariana e outros municípios bastante atingidos pelo mar de lama. “Os rotarianos foram fantásticos. Todos os distritos se colocaram à disposição. Chama a atenção a solidariedade das pessoas”, ele declarou

“Em três dias o que chegou de doações de roupas foi mais do que suficiente, e eu tive que explicar que nós não precisávamos mais, não. No final, agradeci aos 38 distritos”, contou o governador.

O depoimento de Luis Ernesto Bastidas, presidente do Rotary Club de Mariana, não foi diferente: “Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a todos os Rotary Clubs pelo esforço solidário, massivo, rápido e inusitado. Verdadeiramente, nos surpreendeu o aporte além da necessidade imperante. Todo dia está chegando mais ajuda e não temos sequer local para colocarmos tantas doações. Percebemos fazer parte de uma verdadeira Família Rotária, porque a miséria e a dor da comunidade foram sentidas, avaliadas e houve uma resposta dos companheiros”.

Isso não significa que a situação esteja resolvida. “O desastre foi muito além do que se pensava. Serão 20 anos para retomarmos condições razoavelmente aceitáveis”, considera Luis Ernesto, que informa haver cerca de 800 flagelados na cidade. “O que mais nos preocupa é a situação deles”, resumiu.

Colocados em pousadas e hotéis, e gradualmente transferidos para apartamentos e casas alugados pela mineradora Samarco, esses desabrigados estão precisando de apoio, explicou Luis Ernesto. “Como eles vêm de uma cultura rural, habituados a viver livres, em contato com a natureza, não permanecem nas residências, onde se sentem confinados, e ficam vagando pelas ruas, emocionalmente abalados”. Para o presidente do clube de Mariana, há a necessidade de psicólogos e psiquiatras voluntários para atuar, auxiliando principalmente as crianças, mães e esposas atingidas pela catástrofe. Ele sugere também cursos de aperfeiçoamento profissional para esses homens e mulheres que perderam, além de suas casas, as atividades de sustento, e que inicialmente foram acolhidos na Arena Mariana, complexo esportivo localizado no bairro de Vila Aparecida.

O governador Cristóvão Maurício começou a conversa conosco explicando que a atuação dos rotarianos ocorreu em duas frentes, espelhando as duas grandes transformações provocadas pelo desastre ambiental.

A primeira dessas transformações se deu em Mariana, Barra Longa, Ponte Nova e Santa Cruz do Escalvado, municípios que receberam diretamente o volume bruto dos resíduos. “Barra Longa, que tem menos de 7.000 habitantes, ficou com um metro de lama e demorou muito a ser limpa”, lembra. Para essa região, os rotarianos doaram, além de roupas, vassouras, rodos e materiais de limpeza.

 

Água engarrafada

A segunda transformação ocorreu quando a corrente de lama se incorporou ao rio Doce, de 853 quilômetros de extensão. A água suja daí resultante gerou rejeição nas populações de cidades tão distantes entre si quanto Governador Valadares, Colatina e Linhares – a primeira em Minas e as duas últimas no Espírito Santo. Governador Valadares, por exemplo, chegou a decretar estado de calamidade pública em 10 de novembro – e até o dia 15 seus 300 mil habitantes, em pânico, sofreram com o corte no abastecimento. “Nessa região eles precisarão, durante um bom tempo, de água engarrafada, até adquirem confiança na água do rio”, informou Cristóvão Maurício.

Um reforço será dado pelo próprio Rotary Club de Mariana. Seu presidente nos contou que entraria em contato com a Samarco para viabilizar o transporte de água mineral para a população às margens do rio Doce. É que a cidade de Mariana tinha estocados 25 mil litros em garrafas do produto, fruto de recentes doações.

No dia 9 de dezembro, Luis Ernesto havia recebido um estudo de 30 páginas que pretende dimensionar o desastre ecológico. O trabalho foi encomendado pelo clube à Faculdade de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto. O desejo com isso é estruturar um projeto de recuperação das áreas atingidas. “Sabemos que será um projeto caro”, ele avalia.

O Brasil é o país com o maior suprimento de água doce do mundo, seguido pela Rússia e Canadá. Detemos cerca de 12% da água doce superficial disponível no planeta e 28% da disponível nas Américas. No entanto, parece que esnobamos esse prêmio da natureza. Segundo a revista Veja, em sua edição de 2 de dezembro, “muito provavelmente houve negligência combinada com as precárias regulamentações no setor de mineração”. A revista Época, por sua vez, em sua edição de 16 de novembro, informou que “fazia três anos que um técnico do governo federal não comparecia a Bento Rodrigues para vistoriar a barragem que se rompeu”. Também de acordo com Veja, mesmo em países com o mesmo nível de desenvolvimento que o nosso, como Chile e Rússia, barragens como as de Mariana não são mais permitidas.

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Caminhões do servir

O grande momento rotário de Fernando Santos ocorreu ao dividir com o pai, Adilson, a direção de uma carreta de transporte de sua cidade, Salto, São Paulo, até Mariana, a 730 quilômetros de distância. O veículo ia abarrotado com materiais de limpeza, roupas e alimentos em um valor estimado em 40 mil reais. “Eu dirigi com lágrimas nos olhos, emocionado com a realização”, lembra Fernando. Tudo começou na noite do dia 5 de novembro, quando ele, que é presidente do Rotary Club de Salto-Moutonée, SP (distrito 4310), tomou conhecimento, pelo noticiário da TV, do rompimento da barragem do Fundão. “Eu não podia me omitir”, contou. De imediato, Fernando teve a ideia de pedir o apoio do pai, dono de uma transportadora, e acionar o Rotaract local para uma grande campanha de arrecadação na cidade. “Eu diria que 90% do resultado foi obtido por esses jovens, e 20% fruto da iniciativa privada e da parceria com a Prefeitura de Salto”, ele explica.

À nossa Redação outras ações foram relatadas. Rotarianos e rotaractianos de Ubá, MG (distrito 4580), encheram um caminhão e entregaram vestuário, roupas de cama, fraldas e água mineral à população atingida no município mineiro de Barra Longa. Os associados aos Rotary Clubs de Alegre e Guaçuí, ES (distrito 4410), enviaram mais de 110 galões de 20 litros de água mineral para Colatina, ES. Enquanto isso, o Interact e o Rotary Club de Cafelândia, PR (distrito 4640), conseguiram arrecadar 500 litros de água mineral e enviar para Mariana.

A Família Rotária de Blumenau, SC (distrito 4650), também se fez presente na onda de solidariedade. Mobilizando a mídia local para uma campanha de arrecadação, ela conseguiu destinar 18 toneladas de água mineral para Governador Valadares, assim como uma quantia em dinheiro para Ipatinga, cidade mineira também atingida e cujos clubes têm promovido a distribuição de água mineral à população. Esta é uma pequena amostra de iniciativas dos nossos 38 distritos, que ocuparam rodovias tendo como combustível o Ideal de Servir.

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* O autor é Luiz Renato D. Coutinho, jornalista da Rotary Brasil.

(Matéria publicada nas páginas 26 a 29 da edição de janeiro de 2016 da revista).

Você também pode ajudar entrando em contato com o Rotary Club de Mariana pelo e-mail fabianorochapereira@uol.com.br

 

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