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Conheça as histórias de duas brasileiras bolsistas nos Centros Rotary pela Paz

abr 26, 2017

Desde que foram criados, em 2002, os Centros Rotary pela Paz já formaram mais de 1.000 bolsistas de diversas nacionalidades. Oferecendo bolsas de estudo em cursos de mestrado com duração de 15 a 24 meses em seis universidades localizadas no Japão, Inglaterra, Austrália, Suécia e EUA (que abriga duas delas), além de uma modalidade de aperfeiçoamento profissional de três meses na Tailândia, o programa cobre custos relacionados aos estudos, incluindo mensalidades e taxas escolares, estágios, estudos de campo, acomodações, refeições e despesas com transporte de ida e volta.

Habilitados a seguir carreira na área de prevenção e resolução de conflitos, depois de formados os bolsistas passam a trabalhar em governos, ONGs, forças armadas e organizações internacionais como as Nações Unidas e o Banco Mundial. Mais que lhes conceder um diploma, os Centros Rotary estão formando massa crítica capacitada para a (ainda) árdua tarefa de construir um mundo mais justo e pacífico. Sem dúvida um orgulho para o Rotary, esse programa merece mais atenção dos rotarianos brasileiros. Ao longo destes 14 anos, nossos clubes e distritos já fizeram 33 bolsistas. Se o número nos orgulha, é verdade também que ele poderia
ser maior.

A Revista Rotary Brasil trouxe na capa da edição de fevereiro de 2017 uma reportagem especial que mostrava essa iniciativa mais de perto, de um ponto de vista privilegiado: de duas brasileiras que atualmente fazem o curso de mestrado nos Centros Rotary.

Menina de ouro

Júlia Landers, a “jovem veterana” que trabalha ao lado das novas gerações para construir o futuro do mundo

No começo de janeiro, quando fizemos contato para esta reportagem, Júlia Landers estava em Katmandu, no Nepal, preparando as malas para retornar à Universidade de Uppsala, na Suécia, onde integra a turma 2015-17 do mestrado em paz e resolução de conflitos do Centro Rotary pela Paz. Nascida e criada em Campinas, SP, ela estava encerrando
uma experiência de quatro meses na Jagriti Child and Youth Concern Nepal (JCYCN), ONG voltada à proteção dos direitos de crianças e jovens.

“Foi uma experiência incrível”, contou, ao resumir esse tempo em que, entre outras atividades, ajudou a organizar eventos, buscou parceiros e apoiadores para a instituição e visitou escolas para falar sobre recursos hídricos, manejo de lixo e direitos da juventude.

O período na Ásia também levou-a a seminários na Índia, Tailândia e Bangladesh. Durante boa parte do estágio, Júlia colaborou com a elaboração do planejamento estratégico da JCYCN e na reestruturação do seu website e canais nas redes sociais.

Mesmo não sendo jornalista (ela é formada em relações internacionais pelas Faculdades de Campinas e cursou estudos globais na Dinamarca), é nítida sua habilidade para a comunicação. Antes desse período no Nepal, entre junho e agosto de 2016 Júlia estagiou numa rádio comunitária em Gana, na África Ocidental, onde colaborou
com textos e fotografias para um livro registrando a luta de uma associação de mulheres que trabalham na extração
de sal na lagoa Songor, marcada por conflitos das comunidades nativas contra sua privatização e degradação
(o local é fonte primária de sustento para as famílias da região).

CONVÍVIO
A rotina em Uppsala é intensa. Na grade curricular, disciplinas como causas da guerra, resolução de conflitos internacionais, formação sociopsicológica de conflitos intergrupo e o papel complexo do gênero nos padrões de guerra e paz dão à bolsista brasileira e seus colegas de diversos países ferramentas para trabalhar por um mundo mais pacífico e menos injusto depois que terminarem o mestrado (confira nas páginas 38 e 39 o destino profissional dos bolsistas que passaram pelos Centros Rotary desde a criação do programa).

“Somos dez bolsistas em Uppsala e formamos uma bela família”, ela conta. “Temos grupos diferentes de amigos na universidade, mas tentamos nos reunir algumas vezes para passar tempo juntos e nos conhecermos cada vez mais.” A integração entre as turmas de diferentes anos é estimulada. “Anualmente, a coordenação nos incentiva com o programa Buddy, no qual cada bolsista do segundo ano ‘adota’ um colega do primeiro antes mesmo deles se
mudarem para a Suécia. O objetivo é ajudá-los no que for possível e responder às dúvidas.”

Em janeiro do ano passado, o Rotary convidou a turma de Júlia para uma pequena viagem a Oslo, na Noruega. Lá
os alunos visitaram lugares relacionados ao tema do mestrado em conjunto com os bolsistas do Centro pela Paz da
Universidade de Bradford, na Inglaterra.

“Foi uma ótima oportunidade para conhecermos mais sobre outro Centro pela Paz, as diferenças e semelhanças
de nossas experiências.”

Jovem e experiente

Júlia Landers completou 24 anos no final de janeiro. Parece pouco para o tanto que ela já fez na área de atuação
que abraçou para a vida. Indicada para a bolsa pelo Rotary Club de Rio Claro-Cidade Azul, SP (distrito 4590), à época de sua candidatura ela foi alertada pelo clube de que sua pouca idade poderia afetar a decisão da comissão
avaliadora, já que a grande maioria dos bolsistas escolhidos costuma ser mais velha e experiente. Mas o clube de Rio
Claro batalhou pela vaga junto com ela – e a maturidade e o potencial de Júlia certamente foram notados pelos
avaliadores.

“O clube não deixou de me apoiar e acreditar na possibilidade da vaga”, elogia. “Os rotarianos foram bem prestativos
e me deram bastante suporte durante o processo de inscrição. Inclusive mudaram a data da entrevista para
que eu pudesse comparecer, já que na época eu estava morando no Uruguai.”

A lição das crianças
Antes da Suécia, Júlia trabalhou voluntariamente com crianças carentes no Uruguai, Paraguai e no Brasil. “Criança é criança em todo lugar, e não importa a seriedade da situação financeira ou dos traumas enfrentados, elas sempre conseguem sorrir e inventar brincadeiras. Aprendi sobre a importância da simplicidade, criatividade e do imenso valor de se doar para as causas esquecidas.”

Ela conta que não teve muito tempo para conviver com os rotarianos no Brasil antes de se mudar para Uppsala.

“Apenas fui a uma conferência para aprender mais sobre como o Rotary funciona e falar algumas palavras sobre a bolsa de estudos.” Na Suécia, no entanto, ela ganhou uma família anfitriã de rotarianos que a apoia desde a chegada
e foi fundamental para apresentá-la à cultura e ao modo de vida locais. O Centro Rotary pela Paz de Uppsala realiza
alguns eventos com os rotarianos, incluindo um dia especial de seminário no qual os bolsistas do segundo ano preparam apresentações sobre suas experiências, estágios, dissertações e planos futuros para agradecer os rotarianos
pelo resultado do seu investimento e confiança no programa.

Sobre os planos para depois do mestrado, ela adianta: “A ideia é encontrar um emprego em uma ONG na qual eu
acredite e cujo trabalho admire. Meu foco é na área de ajuda humanitária a jovens e crianças, usando para isso
a arte e a cultura”. Mas que ponto do mapa-múndi ela tem levado para pensar no travesseiro? “É provável que eu
retorne para a Ásia.” Parece que um pedacinho do Nepal voltou na bagagem (e no coração) de Júlia.

Pioneira e pacificadora
Rompendo barreiras de gênero na área de segurança pública, Daniela Schermerhorn acredita na comunicação e no respeito como motores para a paz

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Na virada do ano, Daniela Schermerhorn deixou o frio da Carolina do Norte, nos EUA, para passar uns dias com a família em Brasília. Além do Natal e do Ano Novo, no dia 23 de dezembro ela celebrou em casa seus 35 anos. Mesmo com o calendário curto para matar as saudades e descansar da pesada rotina de estudos no Centro Rotary pela Paz na Universidade de Duke, a bolsista encontrou tempo para conversar conosco sobre sua história e a nova experiência
que vive desde agosto no mestrado internacional de desenvolvimento de políticas públicas na Sanford School of Public Policy (a nossa conversa por telefone teria desdobramentos depois, por e-mail, com ela já de volta aos EUA).

A voz de Daniela reverbera uma tranquilidade indispensável a alguém que, mesmo tão jovem, acumula uma vivência profissional na área de segurança pública pontuada por rotinas de tensão e que exigem concentração e resistência
física e psicológica. Bacharel em segurança pública pelo Instituto Superior de Ciências Policiais da Polícia Militar do Distrito Federal e também em direito, com pós-graduação em direito público e gestão em segurança pública, Daniela é capitã da Polícia Militar do Distrito Federal desde 2000.

Antes de iniciar o mestrado em Duke, ela estava trabalhando na diretoria de pessoal, departamento de promoção e avaliação de desempenho como auxiliar técnico-jurídico, função assumida após seu retorno do Haiti, onde ao longo de 19 meses a partir de junho de 2014, trabalhou na missão das Nações Unidas para reestabilizar o país. Selecionada para servir como policial da ONU, Daniela foi a primeira policial feminina brasileira a assumir essa função na missão, coordenando o planejamento de operações e emprego das tropas policiais internacionais para controle de distúrbios civis.

Descoberta de um sonho
A missão no Haiti foi mais um episódio de pioneirismo na carreira da bolsista. Entre 2008 e 2012, Daniela tornou-se uma das primeiras policiais a coordenar a segurança da Presidência da República. Ao longo desse período, ela ajudou a planejar a segurança dos presidentes Lula e Dilma Rousseff, dos seus vice-presidentes e familiares em eventos e cerimônias no Brasil e no exterior, e também no planejamento conjunto e execução de ações de segurança na passagem de outros chefes de Estado pelo país – inclusive na visita oficial de Barack Obama, em 2011.

“Foi uma experiência verdadeiramente desafiadora, que me oportunizou desenvolver diversas capacidades em planejamento de grandes eventos e coordenação de interesses divergentes, bem como negociação e mediação diversa.”

O trabalho junto às Nações Unidas em áreas de conflito era uma ideia distante que virou objetivo pessoal depois de Daniela ter participado da segurança presidencial durante a Reunião do Conselho de Segurança da ONU em 2008.

“Daquele momento em diante, comecei a alimentar o sonho de fazer algo a mais auxiliando na recuperação de ambientes em crise, dividindo meus conhecimentos com as forças de segurança local e, principalmente, trabalhando em prol da proteção de civis.”

No Haiti, o trabalho e o convívio ao lado de colegas de diversas nacionalidades, experiências e religiões
abriu-lhe uma nova perspectiva. “Pude entender verdadeiramente o que significa diversidade e a importância
da comunicação, do respeito e do interesse pela cultura alheia como forma de reconciliação ou prevenção
de conflitos”, diz. “Também percebi como os conflitos impactam uma sociedade e como é importante a minha área de atuação, uma vez que sem segurança é impossível estabelecer um ambiente que minimamente possibilite o desenvolvimento humano.”

Sensibilidade social
Antes da mudança para os EUA, Daniela Schermerhorn envolveu-se num trabalho social no aterro sanitário
de Brasília. Hoje o projeto tem como parceiro o Rotary Club de Brasília-Leste, DF (distrito 4530), responsável por sua indicação à vaga no mestrado. “No ano passado, conheci o trabalho realizado pela Creche Alecrim, na Cidade Estrutural de Brasília, e me apaixonei por ele. A fundadora da creche, Maria de Jesus, é uma lutadora que trabalhou na separação de material para reciclagem no lixão da Estrutural ao longo de vários anos. Na impossibilidade de deixar sua filha em local seguro enquanto trabalhava, ela tinha que levá-la para o lixão, o que a motivou a acolher crianças filhas de mulheres que também trabalham lá, de forma completamente voluntária e sem fins lucrativos.”

Sobrevivendo graças a doações de todos os tipos, o objetivo da creche é encontrar uma solução que lhe garanta
sustentabilidade. “Foi aí que o Rotary entrou como um parceiro maravilhoso, promovendo cursos para monitoras familiares e jovens interessados na confecção de bolos, pães e biscoitos que geram renda à creche. Com verba distrital, o Rotary Club de Brasília-Leste acolheu o projeto, doando um multiprocessador que vai auxiliar tanto na confecção da alimentação diária das crianças como nos outros projetos em andamento.”

Desafios à frente
Daniela foi a única sul-americana selecionada para sua turma de mestrado em Duke. No próximo semestre, ela ganhará a companhia de Odete Rouvet, do México. “Infelizmente, a participação latino-americana é muito cíclica, apesar de existirem vários programas direcionados ao estudo de soluções sustentáveis para os países da nossa região.”

Sobre o convívio com os colegas bolsistas e os rotarianos, ela destaca: “Desde a preparação para o curso, ainda no Brasil, fui acolhida com muito carinho pelos alunos veteranos e pela família rotária, que não mede esforços para prover todas as minhas necessidades, me orientando e possibilitando uma rápida adaptação a este novo ambiente
acadêmico. Todos os alunos selecionados pelo programa são extraordinários e possuem uma vivência incrível, fazendo desta uma experiência extremamente rica”.

Após o curso de mestrado, previsto para terminar no primeiro semestre de 2018, Daniela planeja retornar a Brasília e desenvolver todos os conhecimentos e contatos adquiridos para colaborar com a melhoria das condições de segurança no Distrito Federal e no Brasil.

Questionada sobre os maiores desafios do país diante da violência, ela acredita que precisamos reconhecer os problemas de forma concreta e começar seriamente a implementar soluções conjuntas. “Necessitamos de maior integração entre as instituições públicas de segurança e os profissionais de segurança precisam do apoio social para cumprir suas atribuições. Num ambiente global vivemos em uma sociedade de risco, na qual o crime é multicausal e transnacional, a informação é instantânea e tanto indivíduos quanto instituições, por muitas vezes, encontram-se em conflito com seus valores.”

E no contexto mundial, qual o sentimento de Daniela e de seus colegas de curso? “Acredito que o futuro em muito
depende da habilidade das nações em se comunicar, buscar pontos de entrada para mediação de conflitos latentes
e mágoas remanescentes interna e externamente aos seus territórios. Como bolsistas dos Centros Rotary pela Paz,
todos reconhecemos a complexidade dos conflitos atuais e podemos compartilhar informações extremamente
relevantes sobre nossos problemas para trocar experiências e buscar alternativas que estão dando resultados positivos em outras localidades. Desta forma, e por meio de ações como os Centros Rotary e de outras instituições que apoiam iniciativas acadêmicas focadas no desenvolvimento internacional, propiciando a conexão de pessoas voltadas à resolução de conflitos e abertas ao diálogo democrático, acredito que vemos o futuro com esperança, buscando fazer parte de mudanças positivas.”

* Leia a reportagem especial (na íntegra) na edição de fevereiro.

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